Lúcius | 1x04: "Um 'Não Apenas Mais Alguém No Seu Caminho'"


Uma obra de: Dolfenian Khallium


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*indisponível*



— Rafael tem o péssimo costume de chegar atrasado em todos os lugares. — Diz Lúcio sentado ao lado de seu amigo naquele sofá na sala do terapeuta. — É como se ele fosse fazer “A entrada triunfal”, chega a irritar.
— Falou o cara que demora meia hora pra escolher uma sequência de músicas num celular quando vai sair... — Rafael resmunga.
— Músicas boas! — Ele enfatiza.
•••
É manhã, uma linda sexta feira. O sol bate na janela do quarto de Lúcio, incomodando os olhos de Rafael, o que o força a acordar lentamente.
Aos poucos sua visão vai voltando. Ele enxerga Lúcio dormindo ao seu lado, sem camisa, bem confortável debaixo do mesmo cobertor em que Rafael está. Acaricia os cabelos lisos do seu amigo bem calmamente, relembra agora da boa amizade que tem. Sorri enquanto lembra dos momentos de apuros que já passou e foi salvo por seu amigo. Lembra de tudo isso enquanto o observa dormir.
O garoto está bem calmo, mas aos poucos vai se lembrando de que precisa fazer algo. De que deveria estar em algum lugar.
É então que ele voluntariamente direciona sua visão para o relógio despertador de Lúcio, que marca 09:47. Seus olhos ficam esbugalhados imediatamente. Ele rapidamente se lembra, deveria estar na faculdade estudando, mas esqueceu de trazer seu despertador quando foi dormir com seu amigo.
— Puta que pariu! — Diz o garoto pulando da cama.
Rapidamente tira todas as suas roupas, preocupado em se arrumar para a aula. Lúcio acorda com o pulo dado por Rafael. Teria escutado tudo e agora estaria vendo seu amigo apenas de cueca deixando as roupas no chão.
— Rafa... — Diz o garoto com um tom de preguiça, como se ainda estivesse dormindo.
— Oi. — Responde ele.
— Pote do palavrão... — Ele aponta para o mesmo sobre a estante.
Um grande pote de vidro com os dizeres falados por Lúcio. Teria sido implantado na casa a pouco tempo, com o intuito de fazer Lúcio se controlar um pouco mais.
— Entendi... — Diz ele puxando uma nota de dois reais para colocar no pote.
•••
Amanda teria recebido uma mensagem em seu celular. É do garoto que encontrou ela na sala dos professores. Finalmente iria cobrar o favor. Ela até se sentiu mais aliviada por ele ter finalmente tocado no assunto. Mas o garoto apenas disse para ela ir até a casa dele.
No caminho, Amanda decidiu passar na farmácia para comprar uma camisinha. Ainda sentindo um pouco de vergonha ao trocar olhares com a atendente que lhe encarava séria.
Não é estupro, pois a garota vê aquilo como um bônus. Entregaria o diretor e ainda transaria com um nerd bem musculoso.
Ela segue a rota dada pelo menino que se intitulou como Leonardo. Em poucos minutos a garota já se sentia na intimidade de chama-lo de Léo, e ele não parecia se incomodar com isso. Apenas queria que ela chegasse rápido.
Estaria toda arrumada. Um belo vestido preto bem curto com uma pequena bolsa e um salto alto. Estaria muito mais bela do que ela já é.
Finalmente toca a campainha. A casa é velha, possui um jardim bem cuidado e um cachorro nos fundos que não para de latir.
— Tá aberta! — Grita o garoto do andar de cima.
Ela, de braços cruzados, entra na casa, torcendo para não encontrar algum familiar de Leonardo na casa. Amanda ainda tem aquela visão do nerd que vive com os pais.
Sobe as escadas lentamente ouvindo o rangido de cada degrau enquanto observa os quadros estampados na parede, cada um fazendo uma referência a algum jogo, série, filme, livro, música ou quadrinho.
A escada dá para um pequeno corredor, e logo no começo, um quarto com a porta aberta chama atenção. É um pouco pequeno, mas com uma bela vista. Bem simples, uma cama, guarda-roupas, televisão e escrivanhia com um computador. Além do quadro posicionado próximo a porta, com várias fotos do garoto, o que mostra que ele é uma pessoa bem feliz. Tirando a foto em que ele faz um careta incrivelmente feia numa montanha russa. Um momento perfeito, para uma foto perfeita.
Ele está ali sentado na cadeira próxima a escrivanhia revisando uma grande papelada. O garoto fica incrivelmente mais sexy lendo com seus óculos, bem concentrado. Amanda estava focada demais vendo as fotos do garoto que nem percebeu ele ali.
— São bem antigas... — Ele fala fazendo ela notar sua presença ali no quarto.
A garota toma um leve susto, mas logo se recupera. As fotos mostram que Leonardo é mais do que um simples alguém que topou com a garota por um dia, ele é alguém com uma vida. E isso faz ela pensar diferente a seu respeito.
Ela se lembrou então de que ele precisava relaxar um pouco mais. E que ele queria sexo, então era a hora de agir.
A garota se aproxima dele, dando uma andada bem sexy. Coisa que ele não percebe por estar focado demais na papelada.
Ela está agora atrás da cadeira da qual ele está sentado. Posiciona suas mãos sobre os ombros do garoto lentamente. O que de início gera uma certa estranheza no garoto, mas depois ele acaba tomando isso como uma massagem. É então que as coisas começam a ficar boas. Ela é realmente boa com as mãos, e ele estava se sentindo muito mais aliviado. Tanto é que ele nem abriu a boca para comentar. Já ela...
— Espera, tenho algo para você... — Comenta maliciosamente.
O garoto se vira em direção a ela franzindo a testa bastante curioso, e parecendo bem inocente.
— O que? — Ele pergunta.
É então que a garota desabotoa a parte de trás de seu vestido, o deixando cair sobre o chão com tudo.
Ela agora está ali. Completamente nua, fitando Leonardo, enquanto o garoto faz o mesmo. Ele não sabe ao certo o que fazer. É muito bela e possui um lindo corpo, mas ele não parece estar vendo isso. Parece estar preocupado com outra coisa.
— O que você tá fazendo?! — Grita ele se levantando da cadeira, quebrando completamente o clima.
Ela sente um leve frio na barriga. Achava seu corpo perfeito e muito desejado por vários homens. Não fazia sentido ele não gostar, para ela.
— Como assim? Eu fiz o que você queria, ué... — Ela fala dando um sorriso forçado.
— Tá achando que eu quero transar com você? — Ele pergunta um pouco chocado.
— Você não quer? — Ela pergunta retoricamente. — Achei que você só queria sexo em troca de silêncio.
O garoto respira fundo, um pouco irritado. A situação realmente não era das melhores para nenhum dos lados agora.
— É essa a visão que você tem de mim? — Ele pergunta sério. — O nerd tarado desesperado por uma transa?!
— Por favor fala pra mim que você não é gay! — Ela sussurra de mãos cruzadas. — Isso não pode estar acontecendo de novo.
Ele balança a cabeça negativamente, mas bem desapontado. Ela agora começa a recolher seu vestido, o colocando de volta.
— Eu não sou, mas isso não significa que eu queira transar com você! — Ele avisa. — Aprende, não é porque eu gosto de mulheres que eu quero transar com você! — Enfatiza. — E sexo não é a única maneira de conseguir as coisas. Você é melhor do que isso! É inteligente e tem uma beleza interior maior do que a exterior!
A garota fica sem palavras. Com muita vergonha e em silêncio por alguns poucos segundos.
— Uau... Nem sei o que dizer... — Ela fala. — Então por que você queria que eu te visitasse?
Ele respira fundo tentando se acalmar um pouco mais. Teria visto que foi um pouco exagerado com a garota.
— Quero a sua ajuda com a revisão desses papéis... — Fala tentando parecer calmo.
— Só isso? — Ela pergunta apontando para a pilha de notas na escrivanhia.
— Sim, sim. — Ele confirma.
— Moleza.
Ela puxa a cadeira do lado para se sentar mais perto de Leonardo enquanto ele tenta esquecer o que acabou de acontecer. Ela pega alguns papeis tentando entender a maneira com qual Léo usava para revisar.
— E, ei... — Ele chama atenção da garota. — Desculpa por ter sido grosso com você...
— Tá brincando? — Pergunta retoricamente. — Eu gostei, “É inteligente e tem uma beleza interior maior do que a exterior”, foi a coisa mais fofa que me disseram...
— Sério? — Pergunta parecendo estar um pouco surpreso.
— Sim, os garotos geralmente só querem sexo e inventam coisas idiotas. Não me sinto muito confortável com isso. Mas foi a primeira vez que escutei algo desse tipo. — Respira fundo. — Quem deve pedir desculpas sou eu por achar que você era apenas mais um no meu caminho... Vamos recomeçar do zero então...
Ele olha fundo nos olhos da garota dando um lindo sorriso bem contagiante que deixa mais bonito ainda com sua barba muito bem feita.
— Prazer. — Ele cumprimenta a garota dando um aperto de mão. — Leonardo Estácio, sou um “não apenas mais um no seu caminho”.
Ela sorri se sentindo um pouco mais a vontade com o que poderia se tornar futuramente uma grande amizade. Algo bem diferente do que ela teve com garotos.
•••
Rafael teria acabado de sair da aula. Um curto intervalo. Está andando pelos corredores e olhando o pátio quando esbarra em Vanessa.
Todo o material da garota teria caído no chão, isso inclui toda a papelada sobre a pesquisa de desenvolvimento que ela estava fazendo a alguns meses.
— Caramba, que clichê... — Comenta Rafael.
— Típico de filme de americano. — Ela ri juntando a papelada junto com o garoto.
Ele fita os olhos da garota como não tinha feito antes. Uma menina muito linda realmente.
— Mas, ei quer ir ver um filme hoje na minha casa? — Pergunta o garoto aleatoriamente.
— Por que não, né? — Ela responde.
•••
Lúcio está no mercado da esquina de sua rua. Um local pequeno, mas com grande variedade de produtos. Um pedaço de papel contém uma lista das verduras que ele precisaria comprar para abastecer o estoque.
Por mais que não pareça, o garoto se preocupa muito com a sua saúde nutricional.
Caminha até o local onde estaria o alface. O mercado está vazio, mesmo para aquela tarde ensolarada, na qual normalmente vários garotos aparecem para comprar sorvetes.
Só tem um alface sobrando. Verde e muito bem cuidado, sorte do garoto ele ter sido o único naquele local. Pelo menos achara que era.
Se aproxima com a sacola plástica transparente estendendo sua mão para pegar a verdura, até que houve uma voz cochichar.
— Merda...
Curioso, ele direciona seu olhar para a origem da voz. É então que ele vê a figura. É um jovem, aparenta ter a mesma idade que Lúcio, possui lindos cabelos lisos escuros com uma franja muito bela. Usa óculos de grau e está todo vestido de preto. Tem um rosto bem fechado e aparenta ser alguém bem depressivo.
— Você queria pegar isso aqui? — Pergunta Lúcio estendendo o alface.
— Sim, mas não tem problema... — Ele responde num tom baixo, sua voz é calma porém num tom um pouco triste abaixando a cabeça.
Lúcio olha um pouco para o garoto, Tendo sua consciência pesada, um pouco, pela primeira vez. Nunca teria sentido isso antes. Nem imaginava que iria sentir isso com alguém que ele nem conhece.
— Então tá, tchau. — Ele fala rapidamente deixando o local.
Nem olhou para trás, para checar o estado do garoto. Seguiu logo para a fila do caixa e tirou algumas moedas para pagar o alface.
Enquanto esperava pelo troco, pode notar os passo do garoto que ele teria encontrado. Ele carrega uma sacola nos braços e está atrás de Lúcio.
Pega o troco e sai do local, dando uma última olhada no menino. Ele está usando a máquina de cartão de crédito. E seus olhares mostram um vazio gigantesco, como se ele não se importassem com nada ou ninguém.
— Com licença. — Ele diz parado na frente de Lúcio.
O garoto teria perdido tanto tempo analisando o menino depressivo, que não percebeu que estava atrapalhando o caminho do mesmo.
— Claro, claro... — Ele responde saindo da loja.
Começa a andar e nota que o menino está caminhando ao seu lado, de cabeça baixa com o capuz tapando seu rosto. Usa um fone de ouvido para ouvir algumas músicas num tom bem alto.
— Ei! — Fala Lúcio.
O garoto não ouve, ou finge que não ouve e continua a andar. O outro percebe que terá de usar de outras táticas para chamar atenção dele.
— O João! — Grita Lúcio chamando atenção até mesmo das pessoas que estavam do outro lado da rua.
O garoto tira o fone de ouvido virando seus olhares para o menino enquanto franze a testa.
— Caramba! Quem é você? E como sabe o meu nome? — Pergunta o menino se recuperando do susto.
— Eu sou o filho de Satã. — Responde sorrindo maliciosamente.
— Nossa, você é bem engraçadão... — Diz apurando seus passos.
— Eu estou falando sério! Pergunta alguma coisa que só você saiba.
O garoto para de andar respirando fundo. Não estava nenhum pouco afim de interagir com pessoas agora.
— Está bem, Houdini... Qual é a minha maior lembrança? — Ele fala olhando direto nos olhos do menino de braços cruzados.
Lúcio para um pouco pra pensar, foca na mente dele tentando ler seus pensamentos, até que finalmente descobre. Porém, é algo muito mais pesado do que ele imaginava.
Descobriu que João sofreu muito. Com dez anos, seus pais descobriram sobre a sua orientação sexual, a pansexualidade. Trataram isso como uma doença e passaram a considera-lo uma aberração. Foi então que eles o jogaram num abrigo, adotando um garoto hétero branco de olhos azuis na frente do menino.
São coisas que uma pessoa normal dificilmente suportaria. Além de tudo isso, tem todo o sofrimento que ele teve por conta das pessoas que o agrediam no orfanato. Uma infância horrível.
— Nossa. — Ele diz chocado. — Os seus pais são... horríveis...
O garoto olha bem o olhar de Lúcio que parece bem surpreso. Como se ele tivesse visto toda a vida de João em poucos segundos.
— É eles são, mas vão queimar no inferno uma hora ou outra. Tenho que ir agora. — Ele fala de uma maneira grosseira, voltando ao estado normal. — Passar bem.
Foi a primeira vez que alguém deixou Lúcio de boca aberta. Uma situação realmente diferente para o garoto, ele não imaginava que a vida de outra pessoa poderia ser tão ruim assim...
•••
Lúcio teria acabado de chegar em sua casa. São 21 horas e está tudo muito silencioso. Joga suas coisas sobre a mesa e tira seus sapatos, os deixando na cozinha.
Estaria muito pensativo sobre João ainda, ele realmente lhe chamou atenção, o que não acontecia a muito tempo.
Começa a caminhar pelos corredores em direção ao seu quarto, quando nota que a porta do quarto de Rafael está meio aberta e a luz acesa, o que é estranho já que ele costuma dormir cedo.
O garoto começa a se aproximar, curioso quando escuta uma estranha movimentação vinda do quarto, franzindo o cenho ele dá curtos passos, sem imaginar ao certo o que estaria acontecendo depois da porta.
É então que ele bate na porta com tudo e tem uma grande surpresa. Rafael está pelado em cima de Vanessa também nua. Os dois estariam fazendo sexo e pareciam bem relaxados sobre a cama.
A expressão de pavor no olhar de Lúcio reflete sobre os olhos de Rafael que toma um enorme susto. Já a garota está bem envergonhada.
— Lúcio, eu... — É interrompido pelo próprio garoto que bate a porta com tudo tapando seus olhos e seguindo para seu quarto como se nada tivesse acontecido.

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