Lúcius | 1x06: "Outro Dia Normal"


Uma obra de: Dolfenian Khallium



— O Lúcio tem melhorado? — Pergunta o terapeuta.
— Ele parou com as tremedeiras, está evoluindo aos poucos. Agora tá tentando se ocupar com alguma coisa. — Rafael responde aconchegado no sofá.
— Como o que? — Interroga.
•••
Lúcio está deitado em sua grande cama de casal, mexendo em seu notebook em silêncio, enquanto faz carinho em seu lobo que destrói o travesseiro.
Rafael chega no quarto, encostando-se na porta de braços cruzados observando o garoto. Ele sabia que algo não estava certo, mas não exatamente algo com Lúcio, talvez com ele mesmo.
— E aí o que tá fazendo? — Rafael pergunta se jogando na cama do garoto.
— Vendo os tweets do “@Khallium”, ele é idiota, mas eu gosto. Parece muito comigo. — Fala normalmente. — Isso pareceu algum tipo de propaganda. Como se estivem forçando os leitores de alguma fanfic a seguirem esse usuário...
— Quer alguma coisa? — Rafael questiona.
Talvez estivesse indo um pouco longe de mais, Lúcio poderia já ter esquecido de toda aquela cena, e quem realmente ficou mal foi Rafael. Ou outra coisa estaria acontecendo.
— Hambúrguer frito com refrigerante, gelo e limão. — Fala rapidamente. — E eu gosto de dois canudos no copo.
— Tá bem... — Rafael fala estendendo as mãos ao notar que o garoto já estaria bem.
Sai do quarto revirando os olhos por ter feito aquela pergunta idiota enquanto respira fundo. Desce as escadas quando escuta o som da campainha na sua porta. Deu tempo para ele abrir a geladeira e pegar a garrafa de refrigerante.
— Olha, um educado tocou a campainha! Isso é novidade! — Rafael sussurra indo em direção a porta.
Gira a maçaneta abrindo a porta e dando de cara com um homem alto. Usa um terno preto muito bonito, quase tão elegante como ele. O homem tem um sorriso encantador, dono de belos cabelos e olhos penetrantes. Encantador.
— Olá. — Diz com sua voz sedutora sem perder a pose elegante com as mãos nos bolsos.
Rafael toma um gole do refrigerante na boca da garrafa olhando fixamente para o belo homem, muito tenso.
— Lúcio! — O garoto grita ainda olhando para o homem, um pouco encantado. — Tem um gostosão aqui na porta, acho que é pra você.
— Tô indo! — Ele responde do andar de cima.
— Pode aguardar aqui no sofá? — Rafael aponta.
O homem acena com a cabeça entrando e se sentando formalmente. Enquanto Lúcio desce as escadas, Rafael prepara o hambúrguer sem tirar os olhos daquele adulto elegante.
Para Lúcio, é um pouco estranho. Ele não teria chamado por ninguém ali. Como alguém iria vir até ele? Ao descer as escadas ele finalmente descobre quem é, um pouco mais aliviado, se familiarizando com o rosto.
Rafael coloca mais um pouco de refrigerante na boca, engolindo aos poucos enquanto continua a encarar o homem bonito.
— Ata! — Diz mais tranquilo. — Oi, pai!
O local fica em silêncio por alguns segundos. Rafael está com a boca cheia de refrigerante na boca, e com os olhos esbugalhados. Agora teria percebido. Não sabia aonde enfiar a sua cara. Estaria cara a cara com o maior inimigo de Deus. Lúcifer, o ser que por muito tempo ele temeu e teve medo. Mal sabe como reagir. Engole todo o refrigerante forçando sua garganta.
— Essa não vai ser uma daquelas cenas clichês em que alguém cospe o que estava bebendo, no chão para demonstrar que está surpreso. — Rafael fala timidamente.
Os dois ignoram Rafael.
— Pai, esse é o Rafael. — Lúcio fala tranquilo como se aquela situação toda fosse a mais normal do mundo. O que de certa forma é para ele.
— Então esse é Rafael? O humano que você tanto ama? — Lúcifer fala se levantando e se aproximando do garoto que está com um pouco de medo. Mas ainda se sente um pouco atraído pela beleza do anjo caído.
— Prazer. — Rafael estende a mão para cumprimentar o ser que responde o ato.
— Já conheci um Rafael uma vez, não deu muito certo... — Lúcifer fala mais próximo ainda.
— Eu com certeza não sou um arcanjo. — Rafael tenta brincar escondendo o quão tenso está.
— Realmente. — Fala calmo. — Nem humano, nem anjo, nem demônio. Khalliuns não são presentes no “cristianismo” — Diz agora acariciando o rosto do garoto.
— Então, o que exatamente você veio fazer? E por que usou a porta dessa vez? — Pergunta Lúcio.
— Pensei em passar um dia com um de meus filhos, sair para algum lugar. — Ele responde. — Usei a porta para tentar ser mais normal, pois, por incrível que pareça as pessoas ainda não estão acostumadas com seres surgindo de símbolos bizarros. O que é impressionante, já que existem coisas bem mais inacreditáveis acontecendo. — Lúcifer responde retornando ao sofá.
— Parece uma boa ideia. — Rafael se intromete comendo o hambúrguer que preparava para Lúcio.
— Sair? — Lúcio franze a testa. — Simples assim? Hoje é domingo!
— Bem, a gente podia ir no Shopping Barigui, tenho que fazer algumas compras mesmo...
— Cala a boca Rafael.
— Não, eu acho que ele tem razão. — Lúcifer interrompe.
— Não acredito nisso... — Lúcio sussurra.
•••
Amanda está novamente na casa de Leo, já faz parte de sua rotina ir visita-lo e ajuda-lo em seus trabalhos e projetos de ciências. Os dois teriam se tornado amigos muito rápido, mas a situação parecia estar diferente agora. Ele está mais fechado e triste, sem muitas palavras. O que incomoda demais a garota.
— Tá bem para! — Ela o interrompe.
Ele estaria organizando pequenos capacitores para um projeto quando escuta a voz de Amanda e foca nela.
— O que houve? — Pergunta pegando no ombro dele.
— Nada, não posso parar tenho trabalhos para fazer... — Responde desanimado.
— Leonardo, você vai me contar o que está acontecendo agora! — Exclama puxando o garoto para mais próximo.
Ele respira fundo sabia que precisava desabafar com alguém.
— O diretor vai me demitir... E eu não vou ter dinheiro para pagar a escola, estou ferrado... — Diz de cabeça baixa.
Ela nem sabia ao certo como responder. O diretor já tinha provado que é um verdadeiro idiota. Mas caso ela revele seu segredo ainda pode salvar Leo.
— Mas por quê? — Pergunta chocada mais próxima ainda de seu rosto tentando dar um apoio maior.
— Ele quer dar o meu emprego para uma aluna nova. O que é curioso, já que eu vi a ficha dela. Clara é uma garota muito bonita, mas não entende absolutamente nada sobre informática. Não faz sentido me trocar por ela. — Ele desabafa.
Amanda fica com raiva quando nota o que estaria acontecendo. Ligou os pontos rapidamente.
— Clara é aquela aluna nova que todos os garotos acham gostosa, não é? — Pergunta irritada.
— Não gosto de usar essa palavra, mas creio que sim. Não noto muito essas coisas. Sou mais focado em estudos.
— Filho da puta... — A garota sussurra irritada.
— O que? O que foi? — Ele pergunta franzindo a testa.
— Nada não, eu preciso ir, tenho que passar na delegacia pra fazer algumas coisinhas... — Responde se levantando.
— Como assim? O que você vai fazer? — Ele gagueja se levantando também.
— Uma coisa que já deveria ter feito a muito tempo... — Responde. — Na realidade são duas.
Ela o puxa pela gola da blusa tomando iniciativa para dar-lhe um beijo molhado. Seus lábios se entrelaçam sendo algo maravilhoso, e ele tem uma ótima pegada, retribuindo o beijo longo e duradouro. Suas línguas se encontram naquele momento único. Leonardo nunca tinha feito algo como aquilo antes, e para uma primeira vez se saiu muito bem.
— Agora falta só uma coisa, vou para a delegacia... — Diz deixando Leonardo ali sem reação alguma.
•••
O shopping está lotado. Várias crianças correndo para todos os cantos. Adolescentes aos montes rindo e brincando. E também, alguns adultos fazendo suas compras.
Rafael comprou suas roupas depois de meia hora decidindo entre uma peça ou outra. O que irritou de mais Lucio e seu pai. Fazendo com que quando eles saíssem da loja de roupas, se sentissem mais aliviados.
— A gente pode comprar sorvete agora. — Rafael diz apontando para uma pequena sorveteria na praça de alimentação que encontra-se lotada.
— Essa é a sua definição de diversão, Rafael? — Lúcifer pergunta sem perder a pose.
— Tá mais pra tédio... — Lúcio sussurra caminhando em direção a sorveteria.
Os três entram na curta fila, já vendo de longe as opções. Lúcio já montou seu sorvete na cabeça, sabe exatamente o que pedir, enquanto Rafael, como sempre, fica indeciso.
A fila teria andado um pouco. Chegou a hora dos três pedirem, é quando algo inesperado acontece. Dois adolescentes entram na frente dos três. Um garoto e uma garota de aproximadamente 18 anos.
— Com licença, estamos na frente. — Lúcio diz sem muita paciência.
Rafael já prevê a encrenca. Conhece seu amigo a muito tempo para saber que uma possível confusão está por vir.
— Foda-se cara. — O garoto responde abraçando a outra que ri da situação.
Ele banca o superior rindo de nariz empinado se sentindo o maioral. Mal sabia com quem estava mexendo. Enquanto isso Lúcifer parece não ter reação alguma, o que preocupa um pouco Rafael.
— Cara, eu não sou de ter muitos sentimentos, mas você está me deixando puto... — Lúcio responde respirando fundo. Um recorde, o garoto não tem paciência alguma, mas teria aguentado até então, talvez devido ao seu pai.
— “Não sou de ter muitos sentimentos” — Ele repete com uma voz fina. — Tu é gay cara? Cala a boca aí, irmão.
— Moço a gente tá com pressa... — Rafael avisa.
A vendedora já teria notado a tensão na fila, junto com as outras pessoas por perto na fila que apenas prestam atenção em silêncio.
— Tu é o namorado dele? — O garoto ri junto com a outra. — Pelo amor de Deus! Cara sai da minha frente antes que eu te mande pro inferno.
Uma palavra, uma única palavra foi o suficiente para irritar Lúcifer, o fazendo perder a postura de homem calmo e culto. Uma única palavra fez ele expressar no olhar todo um ódio gigantesco. Rafael até sente um certo medo ao notar o quão estressado ele ficou em poucos segundos.
— DEUS?! — Lúcifer exclama irritado. — Você não conhece “Deus”, não sabe do que ele é capaz, então não venha me falar do “amor de Deus”, garoto tolo. E quem você pensa que é para se achar na autoridade de mandar alguém ao meu reino.
Os dois não teriam entendido. O casal ainda está abraçado, tentando manter a pose de autoridade, mas mesmo não sabendo quem é o homem de terno, eles sentem um certo medo e uma energia negativa. Ficando em silêncio por um curto tempo.
Ele encara o garoto que ri com um desprezo enorme. Seus olhos estão cheios de ódio ao ver a figura do menino ainda rindo junto com sua namorada. Até mesmo Lúcio tem medo do que seu pai pode fazer agora. E as pessoas na fila já notaram que o clima está esquentando, é então que algo acontece.
O garoto começa a tossir. Uma tosse seca e descontrolada, que veio aos poucos, aumentando muito em segundos. Sua namorada olha para ele franzindo a testa, e igualmente começa a tossir. Isso vai ficando mais forte, chegando ao ponto dos dois não conseguirem respirar direito.
Algumas pessoas na fila tentam ajudar o casal, fazendo uma técnica de apoio neles. Pensam que os dois estão engasgados e precisam de alguma ajuda. Os sussurros aumentam aos montes junto com as tosses. Enquanto isso Lúcifer fica ali estático com um sorriso assustador vidrado nos dois. Eles tentam se recuperar, mas não conseguem, a tosse é maior.
— Ei, eu acho que já está bom assim. — Rafael sussurra tentando chamar atenção de Lúcifer.
Mas o sorriso maléfico e as tosses continuam. O que o deixa mais preocupado. Os dois já estão roxos do pescoço pra cima. E as pessoas estão ficando preocupadas, pois a ajuda não adianta.
Lúcifer é ignorado por todos com sua postura, os olhos da multidão ia apenas para o casal que entra em desespero sem saber a quem recorrer. O que é bom para ele, e faz com que ninguém perceba o que ele está fazendo. Está sentindo um prazer enorme, mas isso está acabando com Rafael que não sabe o que fazer.
— Pai, chega. — Lúcio dá uns toques no ombro de Lúcifer.
O mesmo rapidamente volta ao normal, desfazendo seu sorriso maléfico e acabando com a tosse dos dois. O charme e elegância voltam aos poucos.
Eles encaram o homem de terno com um pavor imenso, como se já soubessem quem ele é. São levados por algumas pessoas até o pronto socorro mais próximo em silêncio, apenas encarando de olhos arregalados Lúcifer.
Rafael respira fundo enquanto vê as pessoas voltando para seus lugares e tudo voltando ao normal.
— Eu vou querer um sundae de chocolate! — Lúcio diz com um sorriso no rosto animado, como se estivesse esquecido a situação que acabou de acontecer. Olhando para a mulher que o encara ainda sem reação.
— Eu só queria passar um dia normalmente... — Rafael sussurra.

CONTINUA...

Comentários